O gestor de clientes e projectos reformado José Carlos Soares é o candidato do Bloco de Esquerda (BE) à Câmara de Campo Maior, gerida pelo PS, nas eleições autárquicas de 26 de Setembro.
O candidato, de 60 anos, foi supervisor de pessoal na fábrica Hutchinson, em Campo Maior e gerente de hotelaria, no Luxemburgo.
José Carlos Soares frequentou ainda em 1976 o curso de Estenodatilógrafia na Escola Industrial e Comercial de Bragança, tendo depois emigrado para o Luxemburgo.
Confessa-se “transmontano puro”. José Carlos Soares é natural de Bragança, onde permaneceu até aos 15 anos no seio de uma família numerosa. A ligação a Campo Maior nasce quando conhece uma campomaiorense no Luxemburgo, país onde desenvolveu carreira profissional na gerência de um hotel e um café. Haveria de regressar a Portugal e à vila alentejana no ano de 2000. Entra na Hutchinson, onde se especializou e foi chefe de equipa na área dedicada aos servo-freios (membranas) para automóveis. A reforma chegou há sete anos num período em que trabalhava, de novo, nas máquinas da fábrica. À conta de sete hérnias discais era-lhe impossível continuar a desempenhar as funções cujo requisito passava por “dobrar-se a cada dois minutos”.
Comecemos pelo início. Como chega a política até José Carlos Soares? O candidato do Bloco de Esquerda à Câmara de Campo Maior lembra que quando era jovem, em Bragança, sempre foi de esquerda e com ligação à CDU.
“Quando fui para o Luxemburgo mantive essa ligação política ao partido da esquerda e pertenci à Câmara Municipal de Dudelange”, uma localidade a 17 quilómetros da capital, nos finais dos anos 80”.
Confessa nunca ter “avançado mais” na política porque nunca quis que esta se intrometesse no capítulo profissional, o que não o impediu de estar “atento” e “activo civicamente”.
No regresso a Portugal recorda-se de não ter estabelecido de imediato uma proximidade com a política. “Tive um pequeno apreço pelo senhor Burrica, em 2011, e mais recentemente pelo Ricardo Pinheiro”, salienta, fazendo menção a dois autarcas que marcaram a vila alentejana de Campo Maior no virar do século.
As motivações e as razões da candidatura
“A minha política estava-me a chamar para outra coisa, para fazer aquilo que os outros não fazem. Uma pessoa que promete ao fim dos quatro anos do mandato tem que mostrar as ideias concretizadas do programa que defendeu… eu acho que, neste momento, o Partido Socialista não o está a fazer”, salienta.
Diz candidatar-se por não gostar de ver “os mandatos ficarem para trás” e realça que ao dizer “uma coisa tenho de a fazer. Sou um homem às direitas. Não gosto que esperem por mim, mas também não gosto de fazer esperar. A motivação é essa”, explica.
Do seu percurso político em Campo Maior, José Carlos Soares candidatou-se à Junta de Freguesia de Expectação pelo Bloco de Esquerda. “Entrei no partido por apreço ao Francisco Louçã, pessoa que gostava de ouvir e que me fez aderir ao Bloco”, revela.
Campanha eleitoral forçosamente “diferente”
A campanha eleitoral em ano de pandemia “terá de ser diferente”. Esta é uma certeza transversal a todos os candidatos autárquicos e não é diferente para José Carlos Soares.
O político irá juntar-se aos restantes candidatos do distrito para um périplo pelos concelhos onde o Bloco concorre, nomeadamente em Campo Maior, em Alter, em Portalegre e Ponte de Sor.
“Em Campo Maior temos a ambição de falar com as pessoas, dentro daquilo que nos for possível até para ouvir o que é que elas querem para a sua localidade”, garante.
Actuar em quatro pontos de destaque
A proposta de candidatura que apresenta centra-se no emprego, saúde, turismo e segurança. “São os nossos quatro pontos mais importantes e as áreas em que queremos por em prática as ideias que nos propomos fazer”, vinca o candidato.
Ao nível de emprego, José Carlos Soares está ciente de que “é preciso atrair mais investidores e não fazer como a Câmara agora fez que espantou um investidor. Tínhamos um senhor que queria fazer a fábrica da amêndoa e não conseguiu. Porquê? Qual o motivo? Ninguém sabe. Mas porque lhe referiram que não podia construir? O investidor plantou três ou quatro hectares de amêndoa e eu agora questiono para onde é que ele vai levar essa amêndoa? A colheita, a secagem, a torrefacção e confeccção são trabalhos que requerem mão-de-obra”.
O candidato recorda que Campo Maior já teve um grande lagar de tomate “e deixámo-lo ir embora. Tínhamos uma das maiores plantações de tomate e, por isso, é preciso revitalizar a agricultura no concelho. Se o Estado oferece dinheiro à plantação do figo da Índia, cuja manutenção quase não requer rega, então porque é que não dá subsídios aos agricultores para produzir outras coisas? Temos o trigo, o centeio, mas podem-se plantar outras coisas, tais como a amêndoa. O olival intensivo daqui a 10 anos tem que esperar uns anos para poder voltar a cultivar, portanto, temos de ter algumas estratégias. Antigamente quase toda a gente semeava melões e melancias e agora há um ou dois”.
O político parte do princípio que é crucial fazer “uma angariação de empresas” que queiram investir em Campo Maior, seja na área da agricultura, como já exemplificou, seja em sectores como a construção.
“Os jovens estão-se a ir embora, não há trabalho para a juventude que vai estudar e já não volta porque aqui falta trabalho. O desemprego aumentou 53% desde Maio de 2018 até Maio deste ano, o que é bastante. É preciso criar um emprego sustentável, não o precário que já nós estamos fartos, e sobretudo para os jovens. Para nós mantermos os jovens em Campo Maior temos de arranjar comodidades para eles e trabalhos nas áreas deles”, realça.
Em matéria de saúde, José Carlos Soares defende que o centro de cuidados paliativos ou intensivos “já devia ter sido feito”, com todas as vantagens que se traduzem em “postos de trabalho para médicos, enfermeiros e auxiliares”. Atira ainda farpas ao executivo socialista. “Estão ali fazer aquela praça multimodal que vai colocar lá dois ou três seguranças… quem é que vai empregar? Duas ou três pessoas, não mais. Daí a importância de concretizar aquele centro de cuidados ligado à saúde que dará emprego a muito mais gente”.
O bloquista ambiciona também uma reforma do centro de saúde local, considerando que o espaço “está um caos” e a precisar “urgentemente de obras, não só para dar mais conforto aos utentes, mas também a quem lá trabalha”.
“É preciso modernizar, comprar aparelhos mais sofisticados e com isso não saturar os hospitais. É mais fácil fazer uma radiografia no centro de saúde do que transportar a pessoa ao hospital de Elvas, deixá-la na unidade de saúde e o doente tem ainda que voltar a Campo Maior quando, muitas vezes, não tem possibilidade de chamar um táxi para a levar. Abandonam-se as pessoas”, vaticina.
No terceiro eixo de quatro prioridades do programa do Bloco de Esquerda para a Câmara de Campo Maior está o turismo. José Carlos Soares mostra-se incisivo no que é necessário implementar para fazer funcionar este sector em que não basta “fazer apenas um bom investimento para os turistas verem apenas os edifícios”.
“A obra dos Quartéis foi um belo investimento, mas falta qualquer coisa, assim como falta comércio na vila. Os turistas vão ali apenas para ver os edifícios? Não. Se tiverem uma casinha com uma determinada vocação que os chame é importante, como seja por exemplo uma senhora a elaborar umas flores feitas à mão ou um artesanato. Falta qualquer coisa para atrair turistas, caso contrário os turistas chegam e vão-se embora, questionando se era só aquilo que iam ver. Não pode ser só a obra, mas também envolver as pessoas”, reconhece o político.
José Carlos Soares prossegue: “claro que quem conheceu aquilo há cinco ou seis anos reconhece que a obra trouxe beleza ao local, porque estava de facto uma lástima. Podemos dizer que temos orgulho daquelas muralhas, mas falta qualquer coisa”.
O candidato diz ainda que a ‘vila velha’ está desertificada, ninguém lá quer ficar porque as casas estão a cair e ninguém faz nada. “Proponho que entre a câmara e os proprietários se faça um acordo para restaurar as casas devolutas e em mau estado de conservação. Essa parceria poderia assegurar que as obras de recuperação fossem divididas a 50%, entre autarquia e proprietários. Claro que o município, ao contrário do que se pensa, não pode apanhar as casas sem uma autorização dos donos dos imóveis”.
No plano turístico, o candidato assegura a necessidade de “apostar na publicidade da vila de Campo Maior e oferecer alguma oferta cultural aos turistas quando eles cá estão, sobretudo ao fim-de-semana. Não há cultura”, alerta.
“Quando estava em Dudelange (Luxemburgo), a Câmara Municipal fazia eventos todos os fins-de-semana fossem eles cabo-verdianos, luxemburgueses, portugueses, angolanos e de todo o lado. Temos uma avenida, em Campo Maior, sem movimento a não ser os quiosques que lá estão. Temos um coreto lindíssimo no Jardim porque não colocamos, de vez em quando, uma banda a tocar, um grupo a animar ou um rancho para divertir a população? O coreto é o melhor lugar que existe para fazer qualquer coisa. Antigamente isso fazia-se.
A pandemia é claro que condiciona os eventos, mas nem que seja um fim-de-semana por mês é possível fazer-se uma iniciativa cultural ou desportiva”, explica.
Não menos importantes para o Bloco estão as questões da insegurança na vila raiana. “Resolve-se com o reforço do patrulhamento. Não digo de hora a hora, mas é preciso passar com mais frequência em certos pontos onde se verificam mais actos de vandalismo. De noite não se vê quase ninguém da GNR, por isso proponho que se façam patrulhas de duas em duas horas, correr a vila e só para vigiar. O ministério tem que ser sensibilizado para esta questão”.
Aponta ainda o exemplo de outras vilas em que foram criadas polícias municipais. “É uma ideia que gostava de ver implementada, fazendo-se vigias para tornar Campo Maior mais segura. A questão da visibilidade é importante porque se a pessoa vê sempre fica de pé atrás e inibe alguma situação criminosa. A segurança em certos sítios de Campo Maior tinha mesmo de ser apertada para evitar agressões, vandalismo e furtos”, afirma.
Plataforma logística. Uma obra fantástica, mas que “nada trouxe até agora”
Questionado sobre a importância e proximidade com Badajoz e, em particular, a nova plataforma logística que vai criar milhares de postos de trabalho a poucos quilómetros da zona de fronteira, José Carlos Soares mostra-se um pouco céptico no que na prática poderá impactar nas zonas envolventes.
“Quem vai trabalhar para Badajoz tem que fazer mil e um papéis, quem vem trabalhar de Badajoz para Portugal não é preciso nada. Isto para dizer que a questão da plataforma logística até pode ser boa para Elvas, mas para Campo Maior não sei se é. Elvas até tem pontos de interesse, mesmo a nível turístico, agora nós somos ali um cantinho à entrada da porta da Europa. Se nós vamos conseguir alguma coisa? Um pedacinho ao menos? Deus queira que sim. Até agora não se viu nada. Só vendo com os meus olhos é que poderei dizer se haverá, realmente, algum impacto ou aproveitamento desta situação. A obra é fantástica, mas teremos de ver o que é que se pode fazer nesse aspecto”, explica.
Resultado eleitoral e objectivo da candidatura
O candidato do Bloco de Esquerda, José Carlos Soares, reconhece que a luta eleitoral para o seu partido será “um bocadinho difícil, para não dizer muito complicada. Sei que o PS vai ganhar outra vez, estou convicto disso. Campo Maior é dependente do Partido Socialista. Noutro tempo, o CDS e PSD ainda mexeram, mas desde que esses dois partidos desistiram temos o Bloco, a CDU e o Chega. No meu entender a CDU vai crescer nestas eleições e se não fosse candidato votaria na CDU.
O Chega também pode fazer mossa. Sei que há muita gente a apoiar o Chega, mas é um partido muito agressivo e com uma postura de ataque. Se fosse ao Chega não punha tanta agressividade em determinados temas de campanha apesar de a extrema-direita estar a crescer em toda a Europa.
Um bom resultado para o Bloco de Esquerda, em Campo Maior, seria ficar em terceiro lugar outra vez. O objectivo é continuar a ser terceira força acumulando, se possível, um pouco mais de votos. Vencer as eleições seria uma honra para mim. Trabalharia para o povo campomaiorense. Aceitaria qualquer coligação, excepto com a extrema-direita, com a qual não haveria possibilidade de entendimento e está completamente fora de questão”.
Entrevista conduzida por Pedro Trindade Sena