A Associação Portuguesa dos Media Digitais Online (APMEDIO) lançou uma denúncia contra aquilo que classifica como uma prática generalizada de “concorrência desleal” das “autarquias locais” à “imprensa regional e local”, acusando câmaras municipais e juntas de freguesia de estarem, na prática, a substituir-se aos órgãos de comunicação social, com “dinheiros públicos” e fora de qualquer controlo legal.
Numa exposição formal apresentada a 22 de Julho, a que tiveram acesso várias entidades do Estado, a APMEDIO sustenta que “a esmagadora maioria das autarquias portuguesas passou a produzir e difundir conteúdos noticiosos regulares através de portais institucionais, redes sociais, publicações impressas gratuitas e canais audiovisuais digitais, frequentemente com grafismo profissional, linguagem jornalística e recurso a jornalistas contratados, tudo financiado por dinheiros públicos e sem registo, regulação, contraditório ou independência editorial”.
“Estas práticas configuram verdadeiros órgãos de comunicação social encapotados, à margem da lei e do escrutínio regulatório”, alerta a APMEDIO, que fala numa situação “estrutural, transversal e institucional”.
Do ponto de vista jurídico, a associação é taxativa: “Estas actividades violam frontalmente a Lei da Imprensa, a Lei da Televisão, o Estatuto do Jornalista, o artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa e o próprio regime jurídico das autarquias locais, que não lhes confere qualquer atribuição legal para o exercício de atividade jornalística”.
A APMEDIO sublinha que o dever de informar das autarquias se limita “à publicitação de actos administrativos e decisões, não à produção de conteúdos noticiosos com aparência de imprensa livre”.
Títulos encerrados, jornalistas despedidos
O impacto económico e social destas práticas é descrito como “profundamente lesivo”. A associação aponta para o “encerramento de títulos regionais, despedimento de jornalistas, quebra de audiências e receitas e enfraquecimento do papel fiscalizador da imprensa local, substituída por comunicação unilateral e propagandística dos executivos em funções”.
A APMEDIO alerta ainda para “os riscos graves ao pluralismo democrático, à isenção informativa e ao direito dos cidadãos a uma informação livre e independente”, alinhando a sua posição “com recomendações do Conselho da Europa e boas práticas internacionais que impõem limites claros à comunicação institucional de entidades públicas”.
A exposição foi enviada à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), ao Gabinete do Ministro da Presidência, aos Grupos Parlamentares, às 12.ª e 13.ª Comissões da Assembleia da República, ao Sindicato dos Jornalistas e à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.
O documento inclui “propostas concretas”, entre as quais “a abertura de uma avaliação nacional pela ERC, a emissão de recomendações vinculativas, a participação ao Ministério Público das situações ilegais, a criação de um regime sancionatório específico para entidades públicas e o reforço da protecção económica e legal da imprensa regional independente”.
A associação faz também questão de frisar que “esta iniciativa constitui uma bandeira histórica e exclusiva da APMEDIO”. “Nunca antes nenhuma entidade tinha apresentado esta questão de forma estruturada, fundamentada e institucional, nem junto do regulador, nem junto dos órgãos de soberania e das entidades representativas do sector. O trabalho desenvolvido resulta de um acompanhamento continuado, técnico e político da realidade dos media digitais e regionais, pelo que não deve, nem pode, ser objecto de apropriação oportunística por terceiros que agora tentem reclamar protagonismo sobre um dossiê que não iniciaram nem sustentaram”, conclui.
