Quem tem filhos vê-se invariavelmente confrontado com um interrogatório de intenções por parte dos seus próximos. São normalmente (mas nem sempre) família e amigos sem filhos próprios ou já com a fábrica fechada (ou em liquidação, nalguns casos). Quantos filhos querem?, perguntam estes curiosos da demografia. Ainda vão ao segundo? Param na menina? Ficam pelo casalinho, certo? Ou querem três, para encher o carro?

Quem ouve de fora até pensa que se está a falar da criação de perdigueiros, tendo em consideração a dimensão do canil e a procura do mercado. Mas qual será o interesse de quem faz este questionário? Um genuíno desejo de saber? Preocupação solidária com a família em formação? Desejo de participar no processo criativo? Alarmismo ambiental? Pedofobia? Qualquer que seja a intenção destas perguntas, aos olhos do interrogado parece sempre que o inquisidor se quer meter na cama com o casal. Possivelmente nem o faz para satisfazer qualquer repressão da líbido, mas apenas para que a sua mão controladora chegue a todos os âmbitos da vida desta pessoa que, por qualquer motivo, lhe é próxima. Pois se os filhos são criados por meio da actividade mais íntima que um casal pode ter, pela expressão mais elevada do amor conjugal, qualquer pergunta que toque nos possíveis frutos da família vai necessariamente incidir também sobre o acto criador.

Essa vontade de tudo saber, de tudo antecipar, de tudo programar no que diz respeito à vida humana é um fenómeno da contemporaneidade. A revolução sexual de meados do século passado deu ao homem a sensação de ser dono e senhor de tudo, incluindo da vida e da morte e até do tempo, de quando se nasce e quando se morre. Por isso, ainda que inapropriadas, estas questões tornaram-se lugar-comum em todas famílias. E se as próprias não as consideram, um bom número de voluntários filantropos fazem questão de não as deixar passar. Assim chegamos a um cenário de quase-perseguição progenitorial, em que para os futuros pais se estabelece uma matriz ideal de fertilidade, fixada nos emojis dos teclados electrónicos entre zero e dois filhos.

Não bastando os fundamentos antropológicos da mentalidade moderna, há quem ainda utilize como argumento para tais controlos de natalidade o bem-estar da Casa-Comum. Não sei a partir de quando passou a ser aceite como credível a tese da sobrepopulação do planeta, mas hoje já são mais do que um punhado de activistas os defensores da crença de que temos pessoas a mais no mundo e que, com os escassos recursos disponíveis e a fragilidade do ecossistema, só um tolo poderia atrever-se a querer continuar a raça humana por mais uma geração.

Falando abertamente, são tudo preocupações de países ricos, como o ecologismo, a reciclagem, o vegetarianismo, a identidade de género ou o revisionismo histórico, problemas de quem não se tem de preocupar com problemas verdadeiros, como a guerra, a fome ou a pobreza. Saciada que está alguma da miséria material no Ocidente, temos tempo para nos focar em superficialidades. Como controlar a população. Ou controlar os comportamentos humanos. Tornar-nos em autómatos amorfos e obedientes aos ditames dos Estados e das convenções sociais do momento. Para a pergunta sempre repetida de quantos filhos queremos, só existe uma resposta verdadeiramente livre e libertadora: todos!

Artigo de Opinião publicado originalmente na edição impressa do jornal Linhas de Elvas nº 3719 de 4 de Maio de 2023

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