“Não houve quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?” (Lc 17, 18)

Chama-se Ali Berkkari.

Imigrante argelino e muçulmano de religião, chegou há 2 anos a Portugal, depois de ter sido, também imigrante na Alemanha e em Espanha, há 7 anos que deixou o seu país, a Argélia e os contactos com a família e amigos têm sido feitos, até agora, através das redes sociais.

Vive em Elvas e quando cá chegou teve que lutar muito para conseguir emprego e precisou, como tantos outros, de ajuda de pessoas anónimas e da solidariedade social para conseguir sobreviver e resolver problemas inerente à habitação, à alimentação, à saúde, à obtenção de documentos e tantas outras situações que sem a ajuda de um punhado de pessoas anónimas que procuram fazer o “bem sem olhar a quem”, o Ali não tinha conseguido a sua integração na nossa Comunidade Elvense.

Graças a um bom “trabalho em rede”, que existe em Elvas, entre as Instituições estatais e as Instituições de Solidariedade sem fins lucrativos, o Ali foi-se integrado, foi aprendendo português, arranjou emprego e sente-se bem entre nós embora com muitas saudades da família. Receia ir ter com eles e depois não ter autorização para voltar. O MTA, movimento teresiano apostólico, vai ajudando, cada imigrante e refugiado que chega, sempre em colaboração com outras Entidades, num trabalho em rede sempre mais assertivo e eficaz. O Ali não foi excepção e recebeu, também o nosso apoio e ajuda em alimentação, medicamentos e outros bens essenciais.

O Ali sempre revelou um grande sentido de gratidão pelos pequenos gestos que tínhamos para com ele. Trabalhador, um sorriso constante no rosto e uma Fé muito grande no seu Deus, “misericordioso e compassivo”, como me diz muitas vezes. Muito respeitador nas diferenças e muito solidário com outros imigrantes que chegam, mesmo que sejam de outros países que não o seu. Uma vez veio ter comigo a pedir apoio alimentar para uma família Marroquina, com três crianças pequenas, e quando soube que essa família foi ajudada por nós, veio agradecer-me oferecendo-me um cesto de Tâmaras e uma planta. “Obrigada irmã, foi como se fosse a mim, obrigada irmã” disse-me.

Há dias recebi um convite para um almoço tradicional Argelino. O convite estava muito bem decorado e muito bem escrito em português. Tinha sido ajudado por um voluntário do MTA. O Omar queria convidar para esse almoço as pessoas que o têm ajudado na sua integração em Elvas e a sentir-se bem entre nós.

No seu país é costume no final do mês do Ramadão, as famílias oferecerem um almoço aos amigos e aos que os ajudam. O Ali convidou 30 pessoas e apareceram 10.

Fiquei muito triste. Parece que não estamos interessados a acolher e sermos acolhidos pelos pobres, que mais nada têm para oferecer que a sua gratidão pelos nossos pequenos gestos para com eles. Desde a manhã que o Ali ajudado por um pequeno grupo de jovens imigrantes, argelinos e marroquinos trabalhou para nós preparando-nos o melhor manjar do seu país: Tâmaras, leite e água de entrada (“vinho o meu Deus não quer”, disse-nos ), o tradicional prato de cuscuz com legumes e frango e borrego assado no espeto com salada e arroz. Tiveram também o cuidado de nos oferecer o bolo tradicional da Argélia com o chá de menta servido a rigor numa linda chaleira tradicional do seu país.

Quando cheguei à Quinta do S. João onde foi servido este almoço de gratidão, os que o estavam preparando estavam a fazer a sua oração inclinados para o chão sobre um “tapete” improvisado. Disse-lhes para se sentarem à mesa connosco, mas eles não quiseram. “Primeiro nós, no fim eles “. Senti-me confusa. Eles eram meus irmãos, não escravos. Aliás, o pouco que vamos fazendo por eles é uma questão de justiça. Ninguém é ilegal para a fraternidade cristã. A alegria deles em nos servir fazia-me pensar. Afinal eram eu que estava agradecida. Quanto aprendi deste gesto! Que grande oportunidade para ser humilde, deixando que esse JESUS, chamado Ali me “lavasse os pés”

A simplicidade, a memória agradecida do Ali, o seu espírito de serviço e bondade davam-me a mim uma grande lição. Sou eu que tenho de agradecer ao Alia sua bondade, a sua generosidade o seu querer integrar-se no meio de nós. Durante o almoço vieram-me à memória dois pensamentos que partilho aqui:

1-A cura dos 10 leprosos narrados em Lucas 17. Todos foram curados, mas apenas um, um estrangeiro, um samaritano, voltou para trás a agradecer. O Ali quis dar Glória a Deus pelo nosso acolhimento, pela nossa proximidade pelo nosso respeito pelas suas diferenças e vulnerabilidades. Nós é que te agradecemos Ali, pelo teu gesto, lindo e criativo. O nosso dever é ajudar sem esperar nada em troca, mas soube-nos bem o teu convite uma bela oportunidade de partilharmos a tua mesa, na festa do final do teu Ramadão , sinal de que nos consideras teus amigos e isto é para nós o mais importante, Caminharmos contigo pela vida, como amigos, como irmãos filhos e filhas de um mesmo Deus, mesmo que O tratemos por nomes diferentes. Assim devem ser as nossas relações com as pessoas, por muitos diferentes que sejam, de muito longe que venham. Obrigado Ali porque tu foste, para nós, um verdadeiro mestre que nos ensinaste, com obras, que a Amizade, a fraternidade e o Amor são os valores que o mundo precisa para ser melhor e mais humano. Afinal todos precisamos de todos.

2- Às vezes o cansaço, o desgaste e o desencanto batem à nossa porta porque parece que o que fazemos não ajuda, não convence e não integra as pessoas. Falta aquela “palavra” de estímulo e de ânimo para termos força para continuar.

A tua atitude, Ali, trouxe-me à memória um outro pensamento que às vezes esqueço:

“AMA, SERVE E FAZ O BEM. O RESTO BEM“

Obrigada Ali. Desejo que na próxima festa do teu final do Ramadão não estejam apenas 10 pessoas das 30 que convidaste. Queremos estar mais, muitos mais, queremos estar todos a fazer festa contigo porque te amamos e para quem ama é um gosto partilhar da tua mesa e da tua vida.

Maria de Fátima Magalhães stj

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