Todos nós já vivemos, pelo menos um dia que seja, a desejar que o sol se ponha e que nasça um novo, no entanto, é mais comum que se passe tempo a pensar no que já foi do que a imaginar o que ainda será.

A saudade faz parte do sentimento lusitano, da nossa forma de ser, e como não se pode ter saudades do que ainda não aconteceu, é normal que se olhe mais para trás do que para a frente, mas será a nossa identidade cultural o único motivo para isso?

Passo muito tempo com gente mais antiga, não só porque gosto da companhia, mas também porque gosto de aprender a experiência de quem já viveu o que nós ainda vamos viver vale mais do que qualquer livro. Durante esses contactos frequentes, várias vezes ouço expressões como “nos bons velhos tempos”, “antigamente não era assim”, quase sempre com um certo saudosismo que coloca os dias de outrora num patamar inalcançável para os dias de hoje.

Não será por acaso. Se é verdade que muitas das vezes estas expressões materializam de certa forma a nostalgia da juventude (seria bom sabermos no momento que estamos nos “bons velhos tempos” antes de acabarem), também é verdade que por outra demonstram a desilusão em observar uma sociedade que se desconstrói ao invés de se edificar mais forte.

Não podemos negar que muitos foram os desenvolvimentos positivos da sociedade Portuguesa contemporânea, mas também será impossível não notar a clara perda de respeito pelo próximo e a inversão de valores que caracterizam o ambiente em que quotidianamente vivemos.

A geração mais nova, na qual me incluo, sedenta de uma vida ao quadrado, esquece-se de viver fora dos ecrãs, amolece com a falta de dificuldades e é a primeira geração com um QI mais baixo do que o dos seus pais*1.

Os animais passam ao estatuto de pessoa, passeiam em carros de bebés e nas grandes cidades até vão à creche, enquanto isso, os parques infantis e as maternidades continuam cada vez mais vazias (bem, as maternidades continuariam se não fechassem a um ritmo mais alto do que a descida da natalidade, empurrando toda a gente para as mesmas).

A corrupção que domina a política, desde os ministérios às câmaras municipais, transversal às mais variadas cores políticas, tenta empurrar para fora dessa esfera qualquer um que queira, desinteressadamente, servir o seu país. Essa podridão que vai tornando a política no único verdadeiro elevador social do país (para além do futebol) e que faz com que já valha mais a pena uma carreira em juventudes partidárias do que um percurso universitário de sucesso, consome a esperança dos Portugueses. Se ontem se pedia contributos na política a quem tinha provas dadas na sua profissão, hoje pedimos contributos profissionais, em áreas que desconhecem, a quem teve boas prestações políticas (e o resultado está à vista).

São apenas exemplos de uma tendência que levaria um livro inteiro a dissecar ao detalhe. O continuar deste caminho é assustador e, quem sabe, porventura seja o medo de encarar esse futuro que faça os Portugueses agarrarem-se à saudade.

Não será certamente uma opinião popular, mas acredito que o progresso não passará apenas pela inovação, mas também pela reincorporação de muito do que se foi perdendo na caminhada até aqui.

Poderão dizer que não sei o que digo porque não o vivi, mas ainda assim eu arrisco, fazia falta um pouco mais de passado no presente de hoje em dia.

*1 – “The digital cretin factory.” – Michel Desmurget (Lyon, 1965)

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