A situação de pandemia veio acentuar as dificuldades de tesouraria das MPME’s (micro, pequenas e médias empresas) não só pelo abrandamento ou ausência de vendas, mas também pela dificuldade nos recebimentos.
A pandemia veio colocar a nu, como colocaram outras crises no passado, esta situação (dificuldades nos recebimentos ou pagamentos tardios) que parece cultural pela forma como está enraizada na economia portuguesa. Pagar/receber a horas, um princípio basilar na vida das empresas, revela-se em muitas situações uma séria ameaça à sua existência. A virtude de pagar a tempo e horas deixou, em muitos casos, de o ser e passou a ser substituída por um ciclo vicioso que premeia a irresponsabilidade, a esperteza saloia, o espertalhão e o poder do grande capital. E não são poucas as vezes que, com compreensível indignação, muitos dos credores assistem incrédulos ao desfile de “grandes máquinas”, atitudes de indiferença e falta de vergonha, ao ponto de aqueles se sentirem culpados/constrangidos por estarem a pedir o que é seu por direito. Uma vergonha inqualificável.
Receber a tempo e horas resolveria muitos problemas de liquidez de inúmeras empresas. Note-se que o Estado continua a dar um mau exemplo, apesar de uma pequena melhoria em 2020, pois retém milhões dos fornecedores. O sector privado não é melhor exemplo pois só uma minoria cumpre, sendo que 84% das empresas não cumpre com os seus prazos de pagamento (dados da informaD&B).
Os números falam por si: só 16% das empresas nacionais cumprem com aquilo que acordam com os fornecedores, sendo que 65% adia o pagamento 30 dias além do prazo. Destas, as grandes empresas são as que menos cumprem com os contratos de fornecimento. Só 3% cumprem à risca. Sendo que a média dos atrasos ronda os 23 dias. Apesar de serem a microempresas que mais abusam nos incumprimentos dos prazos de pagamento: 19% atrasam-se por mais de 30 dias, não é aceitável e muito menos justificável que só 3% das grandes empresas sejam cumpridoras é até incompreensível considerando que muitas vezes são estas que ditam as regras do jogo. Poderíamos elencar aqui alguns exemplos de grandes monopólios e grupos económicos (Ex: retalho alimentar) que recebem a pronto e pagam o mais tarde possível (30,60,90,120 dias) aproveitando o seu poder negocial e abusando da dimensão (na esmagadora maioria MPME’s) de muitos produtores.
Chegamos ao final de 2020 e Portugal com os 16% de cumprimento – no sul da europa só melhor de a Roménia – ficou ainda abaixo dos 17,6% atingidos em 2012 já sob assistência financeira da Toika e mesmo após a introdução, em 2013, de novas regras em relação a prazos e custos. Daí o Decreto-lei n.º 62/2013 de 10 de maio.
O sector público, onde se incluem a administração central, regional e autarquias, tem demonstrado oscilações acentuadas no pagamento atempado dos seus compromissos. Em 2020 verificou-se um esforço para reduzir as dividas, pois recorde-se que o pagamento atempado das dividas foi anunciado em março como uma das medidas essenciais de apoio às empresas. O esforço não foi tão grande quanto devia, mas demonstrou-se que é possível reduzir a divida. Então vamos isso para moralizar a economia! O exemplo do estado no cumprimento pontual dos seus compromissos em paralelo com uma justiça funcional e eficaz ajudará a quebrar o círculo vicioso antes referido instalado na economia portuguesa. Os seus efeitos serão positivamente replicados nas relações financeiras entre estado e empresas e entre empresas. Como tudo poderia ser diferente se os compromissos fossem pontualmente honrados.

Elvas, 04 de junho de 2021
Autor: Filipe Mota
Fonte: Dinheiro Vivo

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