A diocese de Elvas é criada por bula do Papa Pio V em 9 de Junho de 1570 por vontade expressa do Rei D. Sebastião e do Cardeal D. Henrique e contra a vontade do Bispo e do Cabido de Évora, do qual foi desmembrada. Pertenciam ao território da diocese ou bispado de Elvas as seguintes localidades: Elvas, Monforte, Cabeço de Vide, Alter Pedroso, Alter do Chão, Seda, Fronteira, Veiros, Alandroal, Juromenha, Olivença, Campo-Maior, Ouguela, Barbacena, Vila Fernando, Vila Boim. A diocese é extinta em 1881 deixando formalmente a Igreja local de se chamar Sé, porém entre o século XVI e o século XIX tem, na minha perspectiva, vários bispos com relevante obra teológica e de memórias que é hoje em dia útil consultar se quisermos saber o que houve na região e no país naqueles séculos. O passado ajuda a preparar o futuro. 

A este propósito, vou citar um texto do prelado durante as Invasões Francesas e sobre as quais tem uma reflexão fundamental. Ainda que nem sempre fácil de compreender, transcrevo uma parte do texto daquele que foi Bispo de Elvas entre 1806 e 1818. Embora deva avisar que não recomendo paralogismos, isto é, raciocínios que levam a conclusões erradas porque não tentam conhecer o contexto da época em análise. A época levava a um certo fulgor do espírito patriótico em resultado da devastação que a cidade tinha vivido (e principalmente o património de Vila Viçosa, tal como aconteceu no Mosteiro de Alcobaça e no resto do país) durante a ocupação de Elvas entre 1807 e 1808 pelas tropas francesas napoleónicas. Como se sabe, os franceses serão derrotados entre 1810 e 1811 nas linhas de Torres Vedras.  

Trata-se de um excerto «Das cartas, que o Exmo. Bispo d’Elvas escreveu aos Exmos. Generais Ingleses, que mais contribuirão para a Restauração de Portugal, & anno de 1811.», colecção de manuscritos publicada em 1819 em Londres pelo impressor L. Thompson. 

“[…] Eu por esta vou beijar a mão a V. Exª, e agradecer este testemunho publico, que V. Exª acaba de dar do respeito com que trata a Religião dos Portuguezes: eu posso segurar a V. Exª que por este procedimento tão sábio, e tão judicioso ganhou V. Exª mais uma batalha, e o coração, e respeito não só dos Portuguezes, mas tambem dos Hespanhoes, nossos Religiosos Alliados […] 

O Tyranno da França verá de repente communicar-se o fôgo da desesperação contra o jugo da tyrannia; ele verá todas as Nações, como tantos ourissos, montadas sobre as serranias dos Pirineos, e dos Alpes, cercando-o por todas as partes; elle verá a mesma França abrir debaixo dos seus péz o voráz abysmo, que o engulirá de hum só bocado, e que o fará reduzir ao seu primeiro nada.  

Se a Inglaterra no meio desta crize se mostrar ambiciosa, não só perderá tudo quanto tém ganhado de grande, liberal, justa, honrada, e de boã fé, mas até dará mais um ganho, e um gráo de força real ao partido contrario, ella não fará differença do Usurpador, e cahirá no abysmo em que se tém precipitado todos os que tém corrido atráz da chiméra da Monarchia universal: a maior fraqueza hoje do Usurpador da França he a falta de bôa fé com que elle tem tratado a todas as Nações, e principlamente a Portugal, e á Hespanha […] 

Os Portuguezes, desde que dobrárão o Cabo da Boa-Esperança, abrirão as portas do commercio do Mundo a todas as Nações, e as fizerão communicar entre si, como se todo o Mundo fôsse uma só familia, este bem, que os Portuguezes fizerão, e estão ainda fazendo a todas as Nações pelo seu commercio, os fará dellas sempre amados; as suas riquezas não fazem sombra, nem desconfiança á independencia das Nações; ellas serão de necessidade inimigas dos inimigos dos Portuguezes.  

Até o tempo das descubertas dos Portuguezes, os homens erão reputados como cousas, ou como maquinas, que só trabalhão dirigidas pela mão, ou á vontade do Maquinista; e assim era necessario, porque então os homens ainda semi-bárbaros, pouco communicaveis entre si, se achavão como no estado da infancia, ou da adolescencia, sugeitos á palmatoria, ou á correcção do Mestre; ninguem passa de menino a sêr homem, nem do estado de selvágem ao de civilizado, sem passar por este passo do castigo, e da obediencia; o selvágem ou deve sugeitar-se ao jugo do civilizado, ou não deve sahir dos seus Bosques, a civilização do homem se conta por annos, a das Nações se conta por Seculos. 

Dom José Joaquim da Cunha d’Azeredo Coutinho por mercê de Deos, e da Santa Sé Apostolica, Bispo d’Elvas, do Conselho de S. A. R que Deos guarde, etc. etc.”  

  
O Bispo D. José Azeredo Coutinho é uma personalidade controversa na História de Portugal e do Brasil pelos assuntos e posições que tomou em relação à escravatura e ao tráfico. Por outro lado deixa obra escrita e construída, nomeadamente o Seminário de Olinda e o Recolhimento no Recife. Nasceu em 1742 em Campos – Rio de Janeiro, então parte do império português, tendo estudado na Universidade de Coimbra e sendo homem de vasta cultura. Foi nomeado Bispo de Olinda-Pernambuco em 1794, mas é como Bispo de Elvas que ficou para a História. Foi membro da Academia das Ciências de Lisboa e o último Inquisidor-Geral do Santo Ofício, entretanto extinto – pelo que o seu papel na História não ficou clarificado, no sentido em que foi eleito deputado pelo Brasil às Cortes Constituintes e morre dois dias depois de tomar posse, em 12 de Setembro de 1821; não se conhecendo por isso a sua actuação perante a novidade do constitucionalismo monárquico surgido com a revolução Liberal de 1820, esse marco na História portuguesa que se assinala este ano nos seus 200 anos. 

Desejo um feliz Natal aos leitores e leitoras e com alegria, apesar dos cuidados a ter com a pandemia do coronavírus que enfrentamos.

Tiago Matias é licenciado em Estudos Europeus (Faculdade de Letras de Lisboa)

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