Um dos temas em Ciência que mais polémica causa é o da experimentação animal. Por todo o mundo vários movimentos e organizações a favor dos direitos dos animais protestam e reclamam contra as torturas que, “verdadeiros loucos” infligem em pequenos animais indefesos. Contudo, todos os dias, fazem-se avanços históricos na Medicina, Biologia e Biotecnologia, à custa destes “torturados” animais. Várias vacinas, medicamentos e tratamentos mais complexos foram desenvolvidos usando experimentação animal. Muitos dos investigadores destas referidas áreas garantem que seria muito mais difícil, demoroso e financeiramente mais exigente, ou até mesmo impossível obter estes resultados sem a utilização de modelos animais. Mas então em que circunstâncias é que é legítimo usarmos animais como cobaias? E que tipo de animais estamos exatamente a falar?Em primeiro lugar gostaria de esclarecer o que é um modelo animal. Nem todos os animais podem ser utilizados neste tipo de investigações. Imaginem o que seria conduzirmos uma experiência em que utilizaríamos pandas ou leões como animais modelo. Para além das razões mais óbvias como a segurança dos investigadores e dos próprios animais, é preciso considerar que são animais difíceis, do ponto de vista logístico, de manter em cativeiro. Um animal modelo é um animal que reúne um conjunto de características (genéticas, comportamentais) que por um lado facilitem o trabalho dos investigadores e por outro sejam fáceis e baratos de manter em laboratório (ciclos de vida curtos). Excelentes animais modelos são por exemplo os ratos e as moscas da fruta, conhecidas como Drosophilas. A Drosophila é de longe o animal mais utilizado, tendo sido crucial para algumas das descobertas mais importantes nas áreas da Genética e da Biologia do Desenvolvimento, foi precisamente com este pequeno animal que se perceberam os efeitos nocivos da radiação para o corpo humano, sendo que esta descoberta valeu dois prémios Nobel a Hermann Muller.Os ratos, sensu lato, são também um dos animais que mais vezes é utilizado. Apesar de serem “piores” animais modelos que as Drosophilas a vários níveis, reproduzem-se muito mais lentamente que as Drosophilas e apresentam características genéticas menos apropriadas, acabam por ter vantagem num ponto crucial. Tal como nós são mamíferos! Isto significa que o seu organismo vai responder de forma semelhante ao nosso, permitindo assim retirar conclusões sobre Humanos usando Ratos.Contudo a experimentação animal é alvo de críticas, muitas vezes pertinentes e objetivas. A primeira é a de que os avanços tecnológicos são tão grandes que seria possível fazer todos estes estudos apenas utilizando culturas de células. Isto é meia verdade, pois a substituição de um organismo vivo por algumas células é possível dependendo do estudo e/ou da fase do mesmo. Devido à complexidade dos organismos vivos, mesmo os mais “simples”, é muito difícil usar apenas células isoladas num estudo, por exemplo sobre um novo fármaco, devido a possíveis efeitos secundários, temos de ver a ação do medicamento no organismo inteiro e não apenas num conjunto de células, mesmo que sejam as células alvo.Outra questão que se impõe é se deverá haver um limite sobre o tipo de estudos em que se possa utilizar animais e que tipo de animais utilizar. Grande parte da comunidade científica e não-cientifica está de acordo em relação à utilização de moscas, peixes e ratos. Os problemas começam quando se utiliza animais com que existe qualquer tipo de afeto, como os cães, ou animais com um nível de inteligência muito elevado, como os chimpanzés. Nestes casos a situação é mais complexa pois a objetividade e o espírito científico podem mesmo ser depostos pela emoção. Será necessário definir limites sobre o que é aceitável? Penso que sim, mas deve ter-se sempre em atenção que muitas das descobertas com grandes implicações na sociedade tiveram, em algum momento do seu processo de construção o necessário sacrifício de alguns animais. As pessoas que fazem este tipo de estudos são monstros? Decerto que não, muitos deles questionam-se sobre se o que fazem é eticamente reprovável e não é raro haver quem troque de área ou modelo devido a estes dilemas.
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Biólogo e mestrando em biologia evolutiva e do desenvolvimento na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

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