Sempre achei curiosa a panóplia de nomes próprios utilizada por outros países quando contraposta com a contenção quase indigente dos nossos prenomes portugueses. Não falo da vaga de loucura onomástica que nos atingiu nas décadas de 70, 80 e 90, porque essa já está definitivamente ultrapassada (quão longe já vai o gosto pelo nome Sandra, que em 1977 foi o terceiro nome mais dado a meninas, seguido de Carla, Sónia e Susana? E tenho sérias dúvidas de que em 2019 se tenha inscrito no Registo Civil alguma Cátia Vanessa – penso que as gerações agora nascidas já não conseguirão entender na sua plenitude a mensagem de António Variações em “Maria Albertina”). Falo sim da restrição das nossas escolhas ao subúrbio João-Maria-José, e por aí fora, quando os anais da História estão pejados de extraordinárias outras opções.
Basta pensarmos nos casos mais próximos de Espanha e França para concluirmos que só uma percentagem reduzidíssima do léxico disponível é por nós utilizada. Onde estão os correspondentes portugueses dos originais espanhóis Borja, Beltrán, Ignacio, Isidro, Gerardo, Iñigo, Tirso ou Pelayo (tudo nomes – diga-se já – do mais chique que pode haver no país vizinho) e dos franceses Hubert, Nicholas, Baudouin, Théophile, Sigismond, Bertrand ou Alaric (idem)?
Uma boa fonte de inspiração para qualquer aspirante a progenitor é a consulta do Martirológio Romano e das Actas dos Mártires, com Antão, Basílio, Barnabé, Bartolomeu, Sisto, Crisógono, Lino, Cleto, Raimundo, Atanásio e Pio a surgirem como hipóteses espontâneas num mundo com tanta falta de devoção como de originalidade.
Que boa prática cristã era aquela de atribuir os nomes em função dos santos patronímicos do dia, já que dessa forma existia uma comunhão mais intensa entre o patrono e o nascido. Sei que contra mim falo, porque se fosse coerente com o que escrevo o meu filho ter-se-ia chamado Processo, Martiniano, Liberato, Bonifácio, Servo, Rústico, Rogato, Sétimo, Máximo, Suitino ou Lídano, só para dar alguns exemplos das opções à disposição para o dia 2 de Julho. Ainda assim, cumpri o também louvável costume de dar um nome de um familiar (neste caso de um bisavô), que era outra das soluções tradicionais para a atribuição de prenomes.
Mas é também possível encontrar boas soluções com nomes assumidamente nacionais que, à época, estariam tão em voga como actualmente o estão João, Francisco e Santiago (nomes mais dados em 2018 e prova da teoria da história cíclica, já que eram igualmente populares no tempo medievo). Seria aliás da maior utilidade aferir-se porque nomes tão portugueses como Aires, Roque, Mendo, Soeiro, Gomes, Egas, Telo, Mem ou Paio perderam expressividade em todo o país, quando muitos dos ilustres senhores que fundaram este reino carregavam tais graças.
Por esta altura deverei estar a ser acusado de misoginia porquanto a maioria dos exemplos que dei são masculinos. No entanto, a onomástica feminina é também uma questão bastante complexa, em grande medida devida à diversidade de invocações de Nossa Senhora existentes mas muito pouco utilizadas. Ainda por aí vão existindo muitas (e é bom que assim o seja) Marias do Carmo, do Rosário, da Assunção e da Conceição, mas elas só são a ponta mais obsoleta de todo um universo mariano ainda por explorar. Maria da Penha, do Pópulo, da Boa Morte, da Anunciação, do Ó, dos Remédios, das Candeias, da Porta do Céu, da Consolação, da Quietação, Imaculada, Assunta, das Mercês, das Neves, do Patrocínio, da Purificação ou do Caminho são tudo admiráveis escolhas que a devoção outrora fazia atribuir às senhoras e que hoje se perderam totalmente.
Por outro lado, a escolha de nomes religiosos será sempre a mais segura na medida em que são nomes intemporais, não passíveis de caírem em desuso por razões óbvias – como Adolfo – ou simplesmente por comprovado mau gosto – como os filhos de um convicto republicano socialista que encontrei em divagações genealógicas e que decidiu atribuir a alguns membros da sua numerosa prole, em momento de verdadeira inspiração soviético-portuguesa com laivos greco-romanos, os fantásticos nomes de Vivalda Juvelina, Liberdade Lusitana, Amarílis Dulce, Tolstoi Lusitano, Lenine Lusitano, Nereide Dione, Irisalva Constância, Lereno Lusitano, Selda Marinha, Elda Lucina, Juvenal Lusitano e Marcial Lusitano, numa clara aspiração à simbiose mística de Portugal com a URSS.
Assim, não só exorto a que se aumente a natalidade num país assumidamente envelhecido como também a que não se percam os nomes que carregam a história dos portugueses. Não digo que os poria a um filho, mas não deixa de ser triste que mais ninguém em Portugal se venha a chamar Garcia ou Brites (sim, antes de serem apelidos foram nomes próprios muito populares no século XV).
Tiago Picão de Abreu
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