No importante feriado do 1.º de Dezembro, que ninguém deve esquecer, lembra a letra do hino da Restauração da Independência a todos os Portugueses:
“Portugueses celebremos! O dia da redençãoEm que valentes guerreirosNos deram livre a nação…”
Aos do século XVII não seria certamente necessário recordar pois pagaram-no com as suas vidas e com o sangue dos familiares, mas aos de hoje talvez seja útil lembrar. E, se na escola não o fizermos, de alguma forma estaremos a falhar como comunidade nacional. Se o fazemos interessa continuar. É essencial na medida em que ajuda a compreender integralmente a História de Portugal, do património – de que Elvas é ilustre representante – e, talvez ainda mais importante, pois é a prática das coisas que as preserva, os costumes, que fazem a História concreta, próxima e viva, também com os hábitos comemorativos locais. De tal forma assim é que em 2018 a União Europeia define-o como Ano Europeu do Património Cultural e a caminho dos anos 2020 valoriza-se publicamente a dimensão patrimonial e a sua íntima ligação às sociedades.
Neste sentido de património imaterial foi muito relevante o trabalho das sociedades recreativas e culturais de cariz histórico, nomeadamente as chamadas sociedades 1.º de Dezembro que estavam fortemente enraizadas nas terras onde a luta pela Restauração de 1640 foi aguerrida e directamente vivida. Há vários traços nas diversas localidades onde historicamente se assinala a Guerra da Restauração, que passa pelo desfile de bandas filarmónicas pelas ruas das vilas, etc, sendo porém o mais comum o encontro na madrugada do dia 30 para 1 de Dezembro entoando o hino da Restauração concentrando-se à porta da sede das associações ou sociedades e hasteando a bandeira branca (cor da bandeira nacional à época) que contém as Armas de Portugal e diferindo da actual por apresentar o escudo heráldico encimado pela coroa. Parece ser o caso de Elvas, com tradicional encontro na véspera em menção à conjura que se preparava em Lisboa no palácio Almada também chamado palácio da Independência ao Rossio e que se comemora com ânimo na véspera desse feliz dia que permite a Portugal ser o país independente que é em 2020.
Se é devida hoje e sempre honra ao povo e à fidalguia de 1640 que libertaram o país (na altura percepcionava-se como reino) num amplo movimento de norte a sul reagindo ao domínio Habsburgo e pondo fim à poderosa dinastia dos Filipes, é porque tal implicou uma alteração profunda nos desígnios nacionais ao ponto de se fundar uma nova dinastia, ainda que entroncada na linha de D. Afonso Henriques. Tal permitiu o ressurgimento no domínio das ideias da velha consciência de identidade lusa através de uma diferença tão simples e tão decisiva – porque simbólica, porventura na linha do messianismo sebastianista – quanto esta: o rei de Portugal fala em Português. Numa visão pragmática e material, dir-se-ia que a política centralista madrilena, a tendência para anulação da autonomia portuguesa (formalmente continuariam a ser dois reinos, contudo durante o reinado de Filipe III a situação portuguesa deteriorava-se globalmente, tendo-se abandonado o espírito das Cortes de Tomar de 1581), a nomeação de chefias militares espanholas e o lançamento de novos impostos sem consentimento das cortes portuguesas ajudaram a agudizar a situação.
Mas se tudo começa em Dezembro de 1640, só terminará com o tratado de paz em Fevereiro de 1668, tendo havido durante décadas duras batalhas na fronteira Alentejana e da Beira. É defensável considerar que até à batalha das Linhas de Elvas tudo se clarifica ou pelo menos concorre para tal, e não deve ser por acaso que estamos num jornal com este nome, de onde se jogou parte decisiva do que seria o futuro de Portugal.
Detalhemos a exigência, as vivências, o pensamento e o desfecho que este processo histórico implicou.
Desde a portaria de 26 de Novembro de 1623 que em Portugal todos os homens válidos do reino, entre os 15 e os 70 anos, estavam sujeitos ao serviço no Exército. Excepto os que constituíam o amparo única da família, como filhos únicos de viúvas e de lavradores e aqueles cujo ofício apoiava o esforço de guerra, como ferreiros, cordoeiros e os que tinham a cargo a criação cavalar.
Ainda que o serviço militar não fosse muito popular, pois obrigava muitas vezes a deslocações para guarnições distantes das terras de origem, houve um esforço de recensear a população e incorporá-la no Exército. Exército este que se organizava por soldados pagos e por milicianos (auxiliares e ordenanças), semelhante ao que chegou até ao século XX. Os filhos segundos eram integrados na tropa de primeira linha, tropa que recebia salário, e os filhos de viúvas e os casados integravam em cada comarca os chamados Auxiliares onde também eram integrados os membros da nobreza. A terceira linha chamada de companhia de Ordenanças era constituída pelos homens mais idosos servindo em casos extremos para guarnecer as praças. Para o caso de Elvas importa referir que recebeu vários militares oriundos da Estremadura e de parte da Beira que, por serem regiões menos expostas às invasões, eram deslocados para o Alentejo onde ocorreria o grosso das batalhas. Aliás, o Conde de Vimioso começa ainda em 1641 a reparar as fortificações de Elvas, que Matias de Albuquerque vem completar juntamente com as de Campo Maior e de Olivença.
Para o cerco de Elvas a 22 de Outubro de 1658 vem o Conde-Duque de Olivares com 14.000 infantes (infantaria), 5.000 cavaleiros e vasta artilharia tomando o mosteiro de São Francisco. As primeiras tentativas portuguesas de retirá-los do mosteiro são infrutíferas. Porém, a estratégia era a de resistir até à chegada do reforço de tropas do Conde de Cantanhede. Durante o cerco os combates não são em número elevado contudo os bombardeamentos causam muitas vítimas, tal como as doenças propagadas em parte pelas más condições de alimentação e de abrigo das tropas. Embora tivessem conseguido manter contacto com o exterior não foi suficiente para a entrada de mantimentos. Saindo de Estremoz a 11 de janeiro de 1659 com 8.000 infantes, 2.900 cavaleiros e 7 canhões, as forças portuguesas comandadas pelo Conde de Cantanhede avançam a 14 do mesmo mês sob intenso nevoeiro para romper as linhas inimigas conseguindo libertar Elvas vitoriosamente e desbaratar a organização filipina que recua para Badajoz apenas com 5.000 infantes. Para o posterior reconhecimento internacional foram necessárias mais negociações mas o essencial fez-se aqui.
É deste heroísmo e desta cepa de Portugueses que falamos e é por esta razão que não podemos deixar de celebrar. Ou podemos?
Tiago Matias, licenciado em Estudos Europeus (Faculdade de Letras de Lisboa)

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