Querido passarinho,
Contava-te como anda o mundo, mas creio que não acreditarias realmente em mim.
Contava-te, avó, que não poderias sair ao degrau vermelho da porta para sentir a brisa vespertina da vila sem que o raio de um bicho mau invisível quisesse logo entrar. Contava-te que o senhor dos queijos já não passa à tua porta a buzinar para que vás ver o que escondeu dos outros clientes para guardar só para ti. Fica agora na quinta da vivenda branca, aflito com tanto leite, chora-lhe a mulher que não conseguem dar vazão. A vizinha dos ovos não sai de casa para os levar a ninguém e fica a comer omeletes de todas as maneiras, todos os dias, ao jantar. O marido resmunga e um senhor do telejornal dá-lhe um sermão.
Contava-te que os teus homens azuis do Belém não têm corrido atrás da bola, nem na televisão, nem na rádio. A menina pequenina que faz poucos anos encheu de esperança a vila e que se tornou a luz dos olhos das velhotas não brinca com bolas nem balões no areal das festas de Arronches e cresce rápido, a cada dia que passa, do lado de dentro da rua. As tascas cheias de homens atrasados para o almoço estão de cadeiras a descansar nas mesas com pó, esquecidas e abandonadas pela época. Contava-te que tanta fruta cai no chão e já só os bichinhos da terra a comem, que a gente pelas cidades compramos e comemos latas.
Tão bonito como a natureza nos dá noção do tempo, não é, avó? Nós juramos que ele parou, mas depois ela vem e traz estações. As horas parecem todas iguais e vêm servir qualquer propósito, mas depois ela muda do sol para a lua e para o sol outra vez, obrigando-nos a descansar os olhos para amanhã se despertar. Os dias vêm em pacotes de seis e a natureza, amando por igual como se de filhos se tratassem, dá-lhes chuva, sol ou vento, para que tenham sabores diferentes no paladar da gente.
Hoje seriam os teus 105 e creio que nem 105 vezes depois de te explicar como anda tudo de pernas para o ar acreditarias completamente em mim. Ficarias em casa, com o cheiro a hortelã e a maçãs lavadas, mas a falta de barulhos na rua quando te sentavas em silêncio ia derrotar o teu frágil coração. Não nos ver a entrar pela porta a sorrir para ti segundos antes de nos reconheceres ia esmagar o teu sorriso, esmagando o meu também.
Nunca aguentaria ter-te cá e não te ter nos braços. A garganta faria nós em sofrimento e as mãos mirrariam de não te sentir a pele. Não te tenho, quero ter-te, mas dói-me de pensar se isso acontecesse. Prefiro que vivas para sempre na rosa do quintal para que todos os dias possa fazer festas às folhas e sorrir para o rebentar das primeiras flores de Primavera. O botão ainda não floriu este ano. Acredito que esteja à espera de que todos saiam de suas casas para que, quando o sol lhes beije de novo os olhos, a tua rosa grená possa andar na boca do mundo e a forma bonita como levavas os dias, cantada a hinos de amor, viva sem que eles sequer saibam em seus corações.
Catarina Cambóias
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