“Qual o primeiro texto de 2025?”, pensei ingenuamente ao acreditar que teria a possibilidade de falar de aspetos positivos da sociedade e do mundo. Ironicamente, o meu último texto de 2024 focava-se nos resultados catastróficos das eleições norte-americanas, longe de mim imaginar que o primeiro texto do novo ano seria, precisamente, uma análise sobre o início do apocalipse.

Na passada segunda-feira, dia 20 de janeiro de 2025, Donald Trump tomou posse das funções enquanto o 47.º Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), numa cerimónia realizada no Capitólio, em Washington D.C. A mesma foi “presenteada” por um discurso proferido pelo Presidente, num tom um tanto vingativo, diga-se de passagem (mas já lá iremos), no qual refere “ter sido tocado por Deus” e que a América estará, neste momento, como seria de esperar, a entrar na sua “Era Dourada”. Devo confessar que de dourada tem, seguramente, muito pouco (ou nada), podendo ser mais facilmente associada a uma “Era Piritosa” ou a uma Idade das Trevas, uma vez que as mudanças a aplicar são, além de bizarras, extremamente assustadoras.

Há, evidentemente, imensos aspetos do seu discurso que poderia desfiar, no entanto, não sabendo se consigo ir a todos, analisemos os mais preocupantes. Dessa forma, não poderia deixar de me debruçar sobre aqueles que dizem respeito aos direitos de liberdade de expressão, nomeadamente, relativos à identidade de género. Futuramente, o Presidente dos EUA pretende que somente se reconheçam dois géneros: masculino e feminino; esta medida claramente descarta a possibilidade de um indivíduo não se identificar com o binarismo de género convencional. Algo me leva a crer que o senhor presidente não está familiarizado com o conceito de igualdade de género, no entanto, a própria Ciência já o concebeu enquanto uma experiência própria de um determinado sujeito, que este constrói e com a qual se identifica, relativa ao género com que se identifica, podendo ser este igual ao que lhe foi atribuído à nascença ou não. Aqui trata-se de humanismo e respeito pelos cidadãos e não de leis; estas jamais deveriam limitar a forma como qualquer cidadão se expressa e colocar em causa a sua identidade.

Seguidamente, há um outro assunto que tem dividido espetros políticos constantemente: imigrantes e aborto. Trump virá a declarar “emergência nacional” no sul da fronteira estadunidense e dará início a um processo de deportação em massa de imigrantes ilegais; é claro que a mudança de país tem de ser feita de forma controlada e legal, no entanto, caberia a um governo tornar o processo de imigração acessível e fiscalizá-lo, pois, muitas vezes, parecem esquecer-se de que a imigração é fulcral para a subsistência de um país. O atual presidente parece preferir tratar estas pessoas de maneira redutora, enquanto “criminosos perigosíssimos”, que virão gerar o caos no país, sendo a procura por uma vida melhor aquilo que move a maioria destas pessoas. O medo gerado pelo chefe de Estado não se cinge a pessoas LGBTQIA+ e imigrantes, mas também às pessoas portadoras de útero, uma vez que fechou o portal governamental sobre o aborto, criado por Biden aquando da sua administração. De momento, estamos a assistir a uma clara regressão de uma panóplia de direitos que foram difíceis de conquistar ao longo da História; como podemos falar em igualdade, quando minorias são tratadas desta maneira? Quando já nem sequer domínio sobre o seu próprio corpo e identidade têm?

Posteriormente, após constatarmos que Donald Trump teme imensamente a criminalidade aparentemente praticada por “milhões” de imigrantes, ainda assim perdoou cerca de 1500 pessoas responsáveis pelos ataques ao Capitólio (crime pelo qual também ele foi indiciado, diga-se de passagem), em janeiro de 2021. Ora, aqui o seu discurso acaba por cair um pouco na contradição, já que a criminalidade parece ser uma questão de nacionalidade e cor, que propriamente o crime per se, visto que, por um lado, há um grupo que é acusado de uma data de acontecimentos, sem grandes evidências apresentadas, enquanto outro foi capturado em pleno delito, havendo provas concretas sobre o ato praticado.

Além desta clara depreciação pelos direitos humanos, o Presidente Donald Trump parece simultaneamente preocupar-se com assuntos um tanto anedóticos. Tendo em conta o cenário global existente, estando o planeta a vivenciar uma série de crises de diferentes tipos, Trump preocupa-se em hastear a bandeira dos EUA em Marte, em mudar o nome Golfo do México para Golfo da América e em renomear o Monte Denali, localizado no Alasca, em Monte McKinley. Com tudo o que está a acontecer, eu apenas pergunto: porque é que isto é uma prioridade? Como se as alterações a aplicar na geografia norte-americana não fossem suficientes, o chefe do governo norte-americano pretende expandir-se, mais especificamente à Gronelândia e ao Canal do Panamá; tal intenção já deixou políticos dos respetivos países indignados, chegando a afirmar inclusive que “não estavam à venda”, tal como referiu um eurodeputado dinamarquês no Parlamento Europeu, ou que “o canal continuará a ser do Panamá”, conforme garantiu o Presidente do Panamá. Ainda no tópico “possíveis conflitos desnecessários”, traçou um cenário em que poderia aplicar taxas de 100% a Espanha, por pertencer ao grupo de países BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, e outros países em desenvolvimento); tal provocação acentua a ideia de “Espanha ser a Venezuela da Europa”, reduzindo este país à ideia de um país subdesenvolvido, com uma elevada carência de uma situação democrática estável e que está a enfrentar o Ocidente.

No seguimento desta clara despreocupação e menosprezo pelo bem-estar dos cidadãos norte-americanos, somemos também a esta lista a saída dos EUA da Organização Mundial da Saúde, sendo este o seu principal doador, e a retirada do Acordo de Paris, um tratado assinado por vários países com o intuito de mitigar as consequências provenientes das alterações climáticas. Como sabemos, o ceticismo de Trump acerca das alterações climáticas foi sempre muito claro, ainda que as evidências estejam em qualquer site meteorológico ou em muitos dos incêndios noticiados anualmente. Durante o seu discurso, o Presidente dos Estados Unidos ressuscitou o famoso slogan drill, baby, drill, para anunciar que vai decretar emergência energética nacional, com o intuito de acelerar a produção de petróleo e gás natural. Vejamos, portanto, que a solução de Trump para baixar o preço dos combustíveis aos consumidores norte-americanos resume-se a intensificar a destruição do planeta; a sua medida apenas significará um aumento da emissão de gases com efeitos de estufa para a atmosfera, adensando o estado nocivo que alguns países enfrentam.

Por fim, foquemo-nos naqueles que estão ao seu lado e que gerem as grandes plataformas de comunicação e informação dos dias de hoje: redes sociais. Elon Musk, braço-direito de Donald Trump e atual líder do Departamento de Eficiência Governamental, deixou a sociedade indignada ao ter, alegadamente, feito a saudação nazi após o seu discurso. Após ter abraçado a campanha de Trump, alguns órgãos de comunicação social e figuras públicas abandonaram a rede social X por não se identificarem com as suas políticas e pela forma como a desinformação e o discurso de ódio se estavam a disseminar de forma descontrolada neste meio. Concomitantemente, a Meta, empresa detentora do Facebook, Instagram e Whatsapp, decidiu eliminar o sistema de verificação de factos, assim como dar abertura ao discurso de ódio contra pessoas LGBTQIA+ nas plataformas anteriormente mencionadas. Tudo isto poderá perfeitamente culminar numa outra promessa feita pelo atual Presidente dos EUA: “acabar com a censura e voltar a impor o discurso livre”. No fundo, e de forma bastante sucinta, um discurso livre traduz-se, portanto, de acordo com esta análise, na possibilidade de publicar qualquer coisa na internet, seja ela absurda ou ofensiva, e não haver qualquer de represália quanto a isso. Quando é que respeitar o próximo se tornou censura, senhor presidente?

Uma vez mais, caro leitor, lamento a visão pessimista que tem alicerçado os últimos textos publicados. Oxalá Huxley, Orwell ou Bradbury tivessem sido escutados (neste caso, lidos); talvez o mundo estaria melhor que agora ao invés de rumo a uma Era muito D(o)ura(da).

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