Não sou grande cinéfilo. Dedico pouco tempo à sétima arte e tenho um fraquinho por filmes antigos, o que me torna um grande ignorante sobre a maioria das novas obras-primas que estreiam nos ecrãs. Mas gosto de ler críticas a filmes e, entre esses escritos de especialistas e as poucas fitas que me encorajo a ver, acho que consigo pintar um panorama de como vai o cinema na actualidade. E acho que não vai nada bem.

Não vai bem porque o filme em si passou a ser um aspecto secundário de toda uma agenda que teima primeiro em colocar à força uma ideologia e, só depois, pensar num enredo. As verdades históricas mais elementares manipulam-se em prol da inclusão e da diversidade. Um filme que não tenha a sua quota de minorias raciais e sexuais preenchida nem sequer pense em aproximar-se dos grandes prémios do mercado. Óscares são para quem tem um actor negro num papel relevante ou projecta uma cena romântica entre pessoas do mesmo sexo. Ainda que a história seja sobre a corte inglesa dos Hannover ou sobre o Xogunato Tokugawa.

E para os filmes que já existem e que tão erradamente propagam estereótipos masculinos ou femininos ou difundem comportamentos que já não são socialmente aceites, das duas uma: ou vão para a fogueira ou vão à faca. Ou, aventando ainda uma terceira hipótese e que me parece a mais hipócrita de todas, são devidamente contextualizados para o espectador moderno nuns intróitos que não me admiraria se por baixo fossem assinados pela Comissão de Censura Teatral e Cinematográfica. O exemplo mais presente que tenho é dos filmes que revejo agora com os meus filhos. Na plataforma de streaming Disney+ são raros os filmes da minha infância que não se iniciam com um aviso da Real Mesa Censória sobre eventuais representações de tabaco, álcool, ofensas étnicas ou misoginia. É motivo suficiente para uma revolta, penso eu. Ou então para apanhar boleia da onda vanguardista e começar também a produzir ficção.

Faculto ao leitor uma receita encontrada na mais recente edição do Pantagruel para todos os interessados em aspirar ao estrelato de Hollywood.

Pegue em dois ovos de supermercado e vá até à quinta biológica mais perto soltá-los na natureza. Depois, numa taça, verta todo o conteúdo do seu bom-senso e junte um quilo de rigor histórico e meia xícara de valores tradicionais. Mexa bem e prove. Se ainda estiver insípido, adicione um pouco de patriarcado ocidental tóxico e reserve. Para sempre.

Noutro recipiente, de preferência limpo de quaisquer reminiscências da cristandade, coloque um afro-luso-descendente, uma nativo-canadiense maneta, dois italo-americanos homossexuais e um anão cego vietnamita. Coloque de parte e deixe levedar. Depois derreta em banho-maria uma activista senegalesa doutorada em estudos femininos e adicione aos poucos um transexual aborígene não binário previamente triturado. Deixe ferver e de seguida deite na mistura, em doses iguais, a bancada parlamentar do PAN e a primeira plateia de fãs do Festival da Canção. Por esta altura, a massa de nacionalidades em repouso já deverá estar suficientemente inclusiva e poderá juntar-lhe o líquido ideológico que se formou ao lume. Caso pretenda uma textura mais consistente, salpique a mistela com essências de revisionismo histórico e de ódio ao colonialismo europeu, que facilmente encontrará em qualquer faculdade de ciências sociais e humanas, e leve tudo ao forno na potência máxima durante meia hora. Poderá, entretanto, pensar num enredo para o guião, apesar de isso não ter absolutamente importância nenhuma. Retire o preparado do forno e desenforme imediatamente sem deixar arrefecer. Basta agora candidatar-se aos Óscares e receberá os louros da glória cinematográfica na próxima edição dos prémios e um mosaico no Walk of Fame.

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