Ser adulta é não estar no Alentejo.

De repente os meus dias úteis, e muitos dos fins de semana, não são no Alentejo. De repente percebo que nem as férias letivas serão passadas no Alentejo. De repente percebo que sou adulta e ser adulta é não estar no Alentejo.

No Alentejo sou a criança, a adolescente. Em Lisboa, sou a adulta, com responsabilidades, com medos, com ansiedades. No Alentejo, sou os sonhos, as vontades, os gritos de liberdade do ser. Em Lisboa, sou a busca pela realização, sou as perguntas, sou a liberdade do ter. Mas no Alentejo sou eu. A minha essência. As respostas às minhas perguntas.

E afinal qual é a maior liberdade? Sermos nós ou termos o que queremos? Ou os dois juntos? Quando é que o Alentejo é um lugar de concretização de sonhos? Quando é que no Alentejo acontece o início e o fim de uma vida? Guardo em mim a frase: tu podes sair do Alentejo, mas o Alentejo nunca sai de ti. Mas eu quero ter o Alentejo em mim e quero que o Alentejo me tenha a mim.

Posso?

Agora percebo que olho o mundo através do Alentejo e posso afirmar com toda a clareza que é um jogo incrivelmente bonito, genuíno, libertador. Acima de tudo, quem pode olhar o mundo pelos olhos alentejanos é sincero.

Quem olha o mundo pela janela do Alentejo, consegue-lhe dar especificidades, tem sentimentos que humanizam e dignificam a vida.

Quando fui ser adulta para a capital, escolhi, de propósito, um lugar no meio de um ambiente confuso e inquieto, que me desse Alentejo mesmo estando a algumas horas dele.

Era sábado e eu na varanda daquela vivenda verde rodeada de árvores de vários tipos, incluindo palmeiras, amendoeiras e limoeiros. Até poderia estar a descrever o meu cantinho no Alentejo, mas não. Não é, porque estava mesmo em Lisboa, na capital exaustivamente acelerada e sem esperança.

Mas, dado a circunstâncias da vida, aquele fim de semana fiquei. Não porque não precisasse de recarregar baterias, até porque foi talvez das vezes que necessitava mais desse processo reconstrutor.

E, enquanto, permanecia nessa varanda, ouvia uma imensidão de sons da natureza, mais concretamente pássaros, que, com diferentes cantos decidem habitar naquelas árvores que falava. Eles gostam de me acordar, gostam de me dizer bom dia e até de me fazer questionar acerca do meu estado de espírito.

Intercalado com este som pacífico e harmonioso, surgiam quase de segundo a segundo outros sons. Sons que representam liberdade também, sons de algo que também voa, sons de uma busca por algo melhor – o dos aviões.

Já estou habituada a ter estes dois sons muito presentes. E, vendo bem, há semelhanças entre eles: liberdade, desejo, coragem, ousadia.

Ainda que, na capital com ânsia do ter, encontre bons cantinhos semelhantes aos do Alentejo, não é a eles que eu me dirijo quando preciso de calma, paz, reencontro.

É o Alentejo que integra todos os começos, é o Alentejo o único que não conhece inquietudes infelizes, é o Alentejo o único que pratica o autoconhecimento na sua forma mais pura e verdadeira, é o Alentejo o único que sabe viver a vida.

É apenas nele, que sou mais eu, é nele que defino os meus objetivos, é nele que derrubo as barreiras mentais, é nele onde me compreendo, é nele onde me defino com a minha verdade e sem julgamentos, é nele onde estou eu e as minhas vozes internas, na consciência de que é o espaço ideal para me reencontrar.

Pensei, no início, ser impossível a filha do Alentejo ser adotada por Lisboa. Logo a seguir, passou a ser obrigatório aceitar e seguir em frente. Depois, conclui ser só o início de uma nova vida.

A única solução era viver. Seja pela janela alentejana ou pela porta lisboeta, uma coisa tenho certa: eu vou escolher sempre viver.

Leonor Abelha Terrinca
(Licenciatura em Relações Públicas e Comunicação Empresarial pela ESCS e Mestrado em Comunicação Estratégica e Liderança pela UCP)

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