Da adoção do trabalho remoto até à criação rápida de uma mais forte e eficiente ligação digital com os cidadãos e com as empresas, a pandemia da Covid-19 trouxe-nos uma visão do que poderia ser um choque modernizador dos serviços públicos em Portugal, seja ao nível das administrações centrais, seja ao nível mais regional e local.Aquilo que os funcionários da administração pública puderam aprender neste período, e continuarão a aprender nos próximos tempos, ao trabalharem remotamente e em ambiente de crise, tem o potencial para promover na máquina estatal e burocrática portuguesa toda uma nova ordem de práticas, toda uma nova cultura – uma mudança sistémica que os múltiplos candidatos a reformadores do Estado não conseguiram fazer em décadas de projetos e tentativas, umas mais sérias do que outras.Nos últimos dois meses, os poderes públicos mobilizaram-se a um ritmo nunca visto para implementar pacotes gigantescos de medidas de ajuda financeira, abandonando inúmeros processos lentos, burocráticos, antiquados, colocando agora as necessidades dos cidadãos em primeiro lugar, distribuindo milhões de euros em apoios e financiamentos de emergência.Apesar disto, permanecem, na cabeça de muitos cidadãos, dúvidas sobre se esta manifestação de capacidade de resposta mudará fundamentalmente a cultura do serviço público em Portugal. Não são poucos os que argumentam que a administração pública facilmente voltará às antigas formas rigidamente hierárquicas e avessas ao risco, à medida que a pandemia e a crise se atenuem e mais tarde desapareçam.A verdade é que os serviços públicos – com a exceção enfática da Autoridade Tributária, que todavia apenas confirma a regra – historicamente têm demorado a adotar muitas das soluções tecnológicas que estão a mudar as empresas e o setor privado a velocidades vertiginosas.Com a pandemia, boa parte da administração pública foi pressionada a inovar, a usar ferramentas digitais para repensar como trabalha e como presta serviços. Isto levou, por exemplo, a que os serviços públicos fossem capazes de processar em semanas pagamentos e apoios que antes podiam demorar meses, se não mesmo anos.Acrescento outro tema fundamental que me é caro, e que a crise da Covid-19 trouxe de forma claríssima à luz do dia. Muito antes da pandemia já se levantava a questão essencial: porque é que a maioria dos trabalhadores da administração pública estão agrupados em escritórios na região de Lisboa?Pois bem: agora, num piscar de olhos, milhares de funcionários públicos ficaram a trabalhar em casa. Não é um salto de raciocínio muito grande prever que muitos mais portugueses, depois disto, poderiam fazer a seguinte pergunta: por que razão estes escritórios estão, em número desproporcionado, na capital do país?Concluindo depois: por que motivo incompreensível esses empregos não podem ser distribuídos de Norte a Sul, do litoral ao interior?Sabemos que a sede e a cabeça do serviço público ficam em Lisboa porque é onde estão o Parlamento, o chefe do Governo, os ministros. Ora, se há coisa que os vários gabinetes de crise da pandemia mostraram é que os parlamentares e os membros do Governo podem reunir-se virtualmente. Desde logo, isto abre a porta à possibilidade de espalhar algumas destas funções e destas pessoas, nos vários graus de decisão, pelo país.Por outro lado, os funcionários regionais costumam reclamar, frequentemente com motivos sólidos, que se consideram colocados fora do circuito, que se sentem vistos pelo Estado central como funcionários de segunda categoria.Ora, a tecnologia e o trabalho à distância têm o poder mágico de eliminar essa divisão, se tivermos a coragem para o fazer, permitindo aos governos recrutar uma força de trabalho que represente melhor o país, ajudando a resolver uma certa alienação regional que por vezes divide Portugal e os portugueses.A eventual transição para uma força de trabalho remota e distribuída, como regra possível para todos, abriria os diversos territórios do país a sentirem-se parte integrante do Governo central, em vez de estarem isolados em postos regionais. O que significa que daqui a uns anos poderíamos ter um serviço público muito menor, mais distribuído, menos concentrado em Lisboa e mais horizontal nas hierarquias.Em suma, uma descentralização real e efetiva, não apenas retórica e simbólica. Podemos sonhar? Podemos. Porque a pandemia, se trouxe muita dor e sofrimento, trouxe também uma visão, não fantasista mas credível, do que pode ser o futuro de uma parte central das nossas vidas: a nossa relação com o Estado, e a dele com a sociedade portuguesa, ao nível central como à escala local.
Hugo Oliveira Ribeiro é Diretor Geral do HBR Group
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