A hora de almoço tem sido a minha hora favorita. O tempo não é contado e por isso passa a correr. Cabem várias horas dentro dela e as gargalhadas são do mais puro que tem acontecido por aqui. Paramos os dias que levamos em separado para nos encontrarmos um bocadinho, não perdendo os laços e verificando os nós.
Minha irmã pensa numa questão filosófica enquanto dispõe a toalha na mesa e, quando pouso o tabuleiro quente na base, vem galopante para que lhe responda a todas as perguntas que a atormetaram sobre determinado tema, surgindo encavalitadas enquanto dobrava os guardanapos.
É uma cerimónia bonita, esta. Preparamos o nosso começo de tarde no conforto de uma refeição caseira que tomamos enquanto vamos ao encontro uma da outra, num brinde com um bom branco se estiver sol e um tinto encorpado se estiver a chover. Fazemos reparos nos cozinhados e na forma como anda o mundo. Confrontamos teorias de medicina e arte. Brincamos à filosofia. Sentadas na mesa redonda, permitimo-nos ser e ter, num sabor a autoconhecimento, em amor qb.
Hoje o almoço foi um dos seus pratos favoritos. Explorei o frigorífico e dei o que pude para fazer um bom empadão. Queria que se sentisse abraçada pelos aromas e que, nesses aromas, encontrasse mais pimenta para os dias que, ultimamente, têm muito pouco sal.
Ingredientes no tabuleiro, todo o amor do mundo nas mãos e os dedos na colher de pau, mas a cabeça esqueceu-se do raio da salsa. Mostrei-lhe, pouco satisfeita, o resultado final. Comeu e apenas disse que lhe soube bem. Falámos sobre a loucura da meteorologia, as várias crises ativas no mundo e no dia da mãe. Voltei a encher o copo, porque o confronto da economia estava a ser discutida país a país e não queria ficar sem vinho antes de chegarmos ao Brasil.
Finalmente, quando o café já tinha sido servido, disse-me:
– Mana, pode ser que o mundo e a maneira como roda ainda nos surpreenda a todos. Pode ser que um dia as vidas contem, mas que contem de verdade. Que se construam formas novas de pensar e que o mundo mude com elas. Um bocado como este empadão, percebes?
– Como assim?
– Então, normalmente leva uma gema por cima para dourar. Mas tu optaste por um ovo. Não fica igual, mas também fica bom. Passa de um empadão para um ovadão.
Segurámos o riso por dois segundos e desfizemo-nos em gargalhadas. Não tinha sido só o raio da salsa que me tinha escapado. Só metade do ovo é que ia ao forno. Apesar da receita não estar seguida à risca, minha irmã repetiu o prato.
A tarde levou-se melhor e ainda sobrou empadão para o jantar, o que ia alegrar novamente o serão, certamente. Ainda assim, não podia deixar de pensar: se um empadão se pode transformar num ovadão e fazer um brilharete, será que o mundo ainda vai a tempo de mudar qualquer coisinha? Será que a receita original não pode sofrer alterações? Será que o amor que pomos no que fazemos pode mudar o mundo e abafar o ovo inteiro que vai a mais?
Catarina Cambóias
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