Vejamos o presépio. Que loucura ver Deus nascer numa gruta, entre animais, deitado num berço que mais não é do que uma manjedoura com o pasto para o repasto das bestas. Se a Paixão e Morte na cruz de Jesus – Filho de Deus feito homem – é para nós um mistério, não será menos incompreensível que o Seu nascimento ocorra longe de tudo o que é grande, régio e de lauto fausto, como conviria ao Messias. Longe de tudo isso, mas não afastado do que é bom e belo, porque nessa caverna da Natividade encontrava-se presente o amor único de Nossa Senhora pelo seu filho, o amor único do castíssimo São José pelo seu filho adoptivo, e o amor recíproco dos esposos num momento tão único.
Como poderia aquela noite, depois das adversidades dos últimos tempos, revelar na sua pobreza tanta beleza? Porque em retrospectiva, aquele poderia ser um desfecho péssimo de um percurso já de si bastante mau. Nossa Senhora tinha feito essa viagem tão desgastante até à parente Isabel, que a tinha deixado ainda mais cansada nos últimos meses de gravidez. Depois o recenseamento de Quirino tinha-os obrigado a sair de Nazaré para Belém em vésperas de Maria dar à luz, quando nenhum médico recomendaria tal odisseia com um parto tão iminente. Chegados à cidade, as contracções são mais que muitas. São José bate a todas as portas, não os acolhem, mas indicam uma hospedaria. As águas rebentam, Nossa Senhora mal se consegue mexer no burrico. O albergue está a abarrotar, impossível receber mais alguém, as dores de parto acentuam-se. Pergunta o estalajadeiro se lhes interessa uma das grutas na extrema da povoação, são abrigadas e muitas têm animais. O Santo Casal não quer acreditar: uma gruta? Depois de tantos dias na estrada por causa do censo romano, o bebé vai nascer numa gruta?
Mas não há tempo para discussões ou mais procura, Nossa Senhora já nem se senta direita no jumento. O passo irregular do animal sobre o terreno ainda mais irregular não ajuda às dores e as contracções aumentam. A cada passo do burro, uma pontada de dor. Mas por cada paragem para recuperar forças, Nossa Senhora sente o bebé mais próximo. Não se podem atrasar mais, agora fazem tudo de seguida até à gruta. Entre os uivos de Maria e os consolos de José, lá dão com a primeira cova nos subúrbios de Belém. Mas já anoiteceu e tudo é escuro. Sem uma candeia acesa, é impossível fazer o parto. Nossa Senhora que aguente mais uns instantes, enquanto São José apressa-se a fazer fogo. Mas os nervos são tantos que quanto mais depressa mais devagar. O sílex escapa-lhe da mão. Toda a vida acendeu lume sem dificuldades e agora é incapaz de produzir a mais leve faísca? Pronto, já está. Só mais uns segundos Maria, que falta preparar uma bilha com água e panos limpos. Mas as dores são tantas que é impossível conter mais tempo, o bebé vai nascer. São José dá-lhe a mão, Nossa Senhora deita-se, sopra, faz força, grita, um, dois, três, aqueles instantes parecem eternos. José limpa-lhe a testa, está encharcada em suor, dá-lhe beijos, aperta-lhe novamente a mão, outra vez, um, dois, três. Força Maria, está quase, já vejo a cabeça, só mais uma vez, um, dois, três. Nossa Senhora, semi-inconsciente e indo buscar energia já não sabe onde, força uma derradeira tentativa e cai exausta.
Um Menino roxo, enregelado e encolhido é recebido por São José, que Lhe dá umas palmadinhas para O fazer respirar. O Menino chora, melhor, berra. Embrulha-O nuns panos e depois numa manta, que o frio que faz é insuportável. Corta-Lhe o cordão umbilical. Depois coloca-O nos braços de Nossa Senhora, que se menos cansada estivesse rebentaria de felicidade. O Santo Casal chora e bendiz a Deus. Abraçam-se e beijam o Menino. Quem se lembra ainda das contrariedades do dia que passou, depois de ver este quadro sagrado?
Tudo tão simples, tudo tão pobre, sem luxos nem sequer a menor comodidade. Nada de médico, parteira, enfermeira, maca, lençóis limpos, bloco operatório, climatização, instrumentos esterilizados, fralda absorvente, body, gorro, pulseira de segurança, pediatra ou Balcão do Nascer Cidadão. Aliás, à data o mais parecido com o Balcão do Nascer Cidadão teria sido mesmo o recenseamento de Quirino…
E assim, desde o Seu Nascimento até à hora da Sua Paixão, o Filho do Homem nunca teve onde reclinar a cabeça (Mt 8, 20). Excepto, claro está, no regaço de Sua Mãe.
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