Sou um fiel leitor do Público e, à sexta-feira, até a minha coragem acabar em tédio, lá consigo passar os olhos pela erudição do Sr. Prof. Dr. António Guerreiro (AG) na sua “Acção Paralela” do Ípsilon. Bem sei que se trata de um suplemento cultural, propenso a tolerar certas liberdades poéticas mas, na crónica de 24 de Maio com o título “Zona de Catástrofe”, esmerou-se AG na falta de elevação, na deselegância e no acinte. Aliviando-se de expressões como “cadeia criminosa” para se referir à actividade de pessoas pelo menos tão inocentes como ele próprio, conduziu a sua “Acção Paralela” à absoluta incapacidade de intersectar a realidade e acabou a entortá-la até lhe servir para a teoria.
Desde logo, para uma eminência tão pouco parda como AG, dá um certo dó vê-lo servir-se da citação do comentário desajeitado de um qualquer obscuro burocrata para ilustrar com uma patetice a matéria em causa e, assim, situar o lado a que se opõe.
Dispara depois sobre os lagares de azeite industriais e refere-se aos instalados em Alvito e Ferreira do Alentejo quando o problema comum a estas localidades tem origem em fábricas de extracção de óleo de bagaço e, desenhando o apocalipse, assegura que poluem o ambiente até à cidade de Beja, de Cuba a Serpa e da Vidigueira a Mértola. Para alguém que diz frequentar a zona, é sintomática a ignorância das grandes distâncias em causa e o deliberado tratamento como se dos parques industriais de Sines ou Estarreja se tratasse.
Induzir o medo do futuro para potenciar consumos presentes é das mais poderosas e ignóbeis técnicas de marketing já utilizadas e algumas cliques de caçadores de gambuzinos, umas vezes por ingenuidade dogmática outras por puro sectarismo, acabam frequentemente em barrigas de aluguer de estratégias tremendistas. À sua conta, o ambientalismo radical sempre nos quis fazer crer que se não estamos totalmente limpos é porque somos imundos mas, se removermos a propaganda, o que fica é, segundo a PORDATA, que de 1995 até 2017, o número de lagares diminuiu para menos de metade (de 1125 para 462, -59%), e os industriais foram mesmo os que sofreram a maior redução (de 883 para 305, -65%), sendo que, neste período, aconteceu também um volume de investimento sem precedentes em modernização tecnológica e de procedimentos que, no seu conjunto, conduziram esta actividade naturalmente poluidora ao seu menor impacto ambiental de sempre em Portugal.
Insistindo em deitar fora o menino com a água do banho, prossegue a seguir o sábio AG abocanhando os olivais intensivos para concluir então que não passa de uma “cadeia poluente e ecologicamente criminosa” aquele que é, reconhecidamente, o melhor terroir do mundo para a produção de azeite e azeitona de mesa.
Medonho, caracteriza depois o campo como sendo “onde, fora de algumas fortalezas, só há vida em extinção, tudo está a ser perdido e a ruína e o deserto crescem”.
Acontece que, à semelhança do literato AG, também eu tenho interesses privados no campo. A diferença é que, para além disso, habito-o e, exceptuando a apoquentação com a crescente indefinição das chuvas e das sazões e com a frequente especulação dos preços dos produtos, de catástrofe, nem arremedo! É que eu não me situo num campo virtual e asséptico, vivo sim no campo real em que crio empregos e de onde arranco o sustento da minha família. Neto e filho de agricultores, trabalho em modo de produção integrada para produzir azeite certificado DOP Norte Alentejano na cooperativa local, 90% da minha exploração é de olival extreme com 230 árvores por hectare (será intenso demais para o magnífico AG?) e não me passa pela cabeça ter práticas não sustentáveis ou, sequer, fazer minimamente perigar a prestabilidade da terra que cultivo quando sei que, parafraseando Tom Sawyer, a vou ter que devolver depois do empréstimo que a minha filha dela me fez.
Aliás, soubesse o divino AG da mística que enquadra a relação que os alentejanos têm com a terra que cultivam e talvez lhe acontecesse alguma prudência antes das gratuitas e levianas acusações de crime na sua utilização. Claro que, como noutras actividades económicas, também na agricultura é necessário ir concretizando as melhorias necessárias para poder ser mantido o equilíbrio entre a utilização sustentável dos recursos e a indispensável manutenção de satisfatórios níveis de rentabilidade. Quando acabam por surgir desequilíbrios, e porque vivemos num estado de direito com regras que definimos enquanto sociedade, será sempre às autoridades que escolhemos como competentes que competirá levar à prática os procedimentos tendentes ao restabelecimento daqueles equilíbrios.
Entendesse o douto AG a cultura de meio em que firmamos o nosso sistema de valores e talvez lhe assomasse à imensa da ideia que há muito temos resolvido esse problema existencial da ecologia que consiste em saber da posição do homem face à natureza. É simples. Somos tão poucos aqui no campo alentejano que, depois de paridos pelas nossas mães biológicas, é como se, por osmose, fossemos depois reabsorvidos pela mãe natureza. Como podíamos nós incorrer em desarmonia na unidade de uma célula assim?
Ocupamos o território, modelamos a paisagem, providenciamos produtos e serviços agroambientais para satisfação da voracidade da carente turbamulta urbana e ainda enviamos os nossos impostos para subsidiar os passes sociais dos transportes nas metrópoles. Mas escusa de haver receios. Teremos sempre turismos rurais para os diletantes virem procurar as raízes e não faltarão os produtos locais para a tipicidade dos petiscos que recordam as avozinhas.
De Miróbriga e Sant’ Iago de Kassem, outrora terras da Ordem de Avís, já nos chegou o saudoso Manuel da Fonseca para, no seu Cerromaior, dizer com autenticidade e elegância “que a terra mo pague em vida, que eu pago à terra em morrendo”.
Oriundo da mesma charneca litoral mas provindo agora de olisiponenses lides, ininteligível, vem o Senhor Professor Doutor António Guerreiro proclamar que “o campo é onde hoje mais estamos expostos aos males da civilização”.
Ensimesmado, a este letrado, híbrido de cabo da guarda com mestre-escola, não ocorre que os sermões das sextas feiras com que nos pretende ordenar e instruir é que são de elevada toxicidade. E aqui sim, a catástrofe pode mesmo surgir quando permitimos o regular conluio entre a rabugice congénita e o mau jornalismo.
Joaquim Fouto Varela do Nascimento
Olivicultor
Ervedal-Avís
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